domingo, 30 de março de 2008

MARIA MADALENA

Tirado do livro: 'Os Cadernos de 1944' escrito por Maria Valtorta

Grande exemplo do sofrer por amor a Jesus. Exemplo de que o martírio não precisa ser de sangue, quem sabe uma alavanca para os tempos que chegam.


Vejo uma caverna na rocha. Na caverna estão folhas esmagadas sobre uma espécie de padiola feita de ramos entrelaçados e amarrados com juncos. Deve ser uma cama 'cômoda' como um instrumento de tortura. Na gruta ou caverna está também uma grande pedra que faz de mesa e outra pedra menor que faz de assento. No lado mais interno há uma outra grande pedra, aliás, é um pedaço saliente da rocha como fosse prateleira. Não sei se é assim por natureza ou se foi obra humana. Sobre esta prateleira, que parece um rústico altar, está pousada uma Cruz feita com dois ramos, segurados juntos por vimes. Numa fenda terrosa há planta de hera.



Quem a plantou cuidou que os ramos formassem um enfeite à Cruz quase como se abraçasse, enquanto em dois rústicos vasos, que parecem modelados na argila por mão inexperiente, estão flores silvestres, e próprio ao pé da Cruz, numa concha gigante, está uma pequena planta de jasmim selvagem com as pequenas folhas bem limpas e dois botões próximo a desabrochar. Aos pés deste altar está um feixe de ramos espinhosos e um flagelo de cordas nodosas. Na gruta há também uma rústica vasilha de barro, com água dentro. E nada mais. Da estreita e baixa abertura da gruta se vê ao longe uns montes. A abertura é quase completamente escondida pelos ramos pendentes das plantas de hera, de caprifoliáceas e de roseiras selvagens. Parece uma cortina toda rasgada com fio que pende e se agitam por qualquer sopro de vento.



Uma mulher magra, vestida de uma rústica veste escura sobre a qual está pousada uma pele de cabra como manto, entra na gruta afastando os ramos pendentes. Parece exausta. É difícil identificar a sua idade. Se se deve julgar pelos rosto ressequido deveria ter bem mais de sessenta anos. Se se devesse julgar pelos cabelos compridos, densos dourados, longo as costas curvas se diria que tem quarenta anos. Os cabelos pendem em duas tranças longa às costas curvas e magras. Os cabelos são a única coisa que resplandecem naquela esqualidez. A mulher certamente deve ter sido uma bela mulher porque a fronte é ainda alta e lisa. O nariz bem feito e oval, porquanto emagrecida pela penitência, é regular.



Mas os olhos não tem mais fulgor. Estão muito afundados na órbita e assinalados por dois bistres quase azuis. Dois olhos que denunciam as muitas lágrimas derramadas. Duas rugas (quase duas cicatrizes) se gravaram do ângulo do olho passando ao longo do nariz, vão se perder naquela outra característica ruga de quem sofreu muito que das narinas desce como um acento circunflexo aos ângulos da boca. As Têmporas são como escavadas e as veias róseo palidíssimo. Um tempo deve ter sido uma bonita boca, agora é desflorada. A curva dos lábios é semelhante àquela de duas asas que pendem cortadas. Uma boca dolorosa.



A mulher se arrasta até a pedra que faz de mesa e pousa sobre a mesa umas frutinhas de murtas e de moranguinhos selvagens. Depois vai até ao altar e se ajoelha. Mas está tão fraca que quase cai e deve se sustentar com uma mão à pedra. Reza olhando a Cruz e umas lágrimas descem pelo sulco da ruga até a boca que a bebe. Depois deixa cair a pele de cabra e permanece só com a rústica túnica. Pega os flagelos e os espinhos. Aperta os ramos espinhosos ao redor da cabeça e ao redor dos lombos e flagela-se com as cordas. Mas é demais fraca, para e os flagelos caem-lhe das mãos.



Está para desmaiar. Com ambas as mãos se segura no altar apoiando também a cabeça. Diz: 'Não aguento mais Raboni! Não posso mais sofrer. Mais sofrer em memória dos teus sofrimentos!'



Pela voz a reconheço. É Maria de Mágdala. Estou na sua gruta de penitência. Maria de Mágdala chora. Chama por Jesus com amor. Não pode mais fazer penitência. Mas amar pode ainda. A sua carne triturada pela penitência não resiste mais à fadiga de flagelar-se mas o coração tem ainda pulsações de amor e se consome nas suas últimas forças amando. E ela ama, permanecendo com a cabeça coroada de espinhos e os lombos apertados pelos espinhos, ama falando com seu Mestre em uma contínua profissão de amor e em renovado ato de dor.



Escorregou com a fronte por terra. A mesma posição que tinha no Calvário defronte à Jesus deposto sobre o seio de Maria, na mesma posição que tinha na casa do Cenáculo em Jerusalém quando a Verônica abriu o véu com a imagem de Jesus, a mesma posição que tinha no horto de José de Arimatéia quando Jesus a chamou depois da Ressurreição e ela o reconheceu e o adorou. Mas agora chora porque Jesus não está. 'A vida me foge Mestre meu. E deverei morrer sem te rever? Quando poderei alegrar-me por ver teu Rosto? Os meus pecados estão defronte a mim e me acusam. Tu me perdoaste e creio que o inferno não poderá me possuir. Mas quanta espera no Purgatório antes de vir a Ti! Oh! Mestre bom! Pelo amor que me deste, conforta a minha alma! A hora da morte chegou. Pelo teu morrer desolado na Cruz, conforta a tua criatura! Tu me geraste. Tu. Não minha mãe. Tu me ressuscitaste mais que a Lázaro, meu irmão. Porque ele era bom e a morte não podia senão ser uma espera no limbo. Mas eu era morta na alma, e morrer queria dizer morrer eternamente. Jesus nas tuas mãos recomendo meu espírito! É teu, porque Tu o remiste. Aceito por última expiação de conhecer a dureza do Teu morrer abandonado. Mas dá-me um sinal que a minha vida serviu para expiar os meus pecados'.



'Maria!' Jesus aparece. É belo. Parece que desceu da rústica Cruz. Mas não é ferido e nem morrente. É belo como na manhã da Ressurreição. Desce do altar e vai para a prostrada no chão. Se curva sobre ela. A chama ainda, e dado que ela parece crer que aquela voz é espiritual, e, com o rosto por terra como está não vê a luz que Cristo emana. Ele a toca com uma mão na cabeça e tomando-a por um cotovelo, como a Betânia, para levantá-la. Quando ela se sente tocar e reconhece pelo comprimento aquelas Mãos, há um grande grito.



E levanta o rosto transfigurado pela alegria. E logo o abaixa para beijar os pés do seu Senhor. 'Levanta-te, Maria, sou Eu mesmo. A vida foge. É verdade. Mas Eu venho para dizer-te que o Cristo te espera. Não há espera no Purgatório para Maria. Tudo já é perdoado a ela. Desde o primeiro momento foi perdoado. Mas agora é mais que perdoado. O teu lugar já está pronto no meu Reino. Maria, vim para te dizer isto. Não dei ordem ao anjo de comunicar-te isto porque Eu dou o cêntuplo de quanto recebo, e Eu lembro quanto recebi de ti. Maria, revivamos juntos uma hora do passado. Lembra Betânia. Era noite depois do sábado. Faltavam seis dias para a minha morte. A tua casa, a lembras? Era toda bela na cintura florida do teu pomar. A água cantava nos tanques e as primeiras rosas cheiravam ao redor dos seus muros. Lázaro me havia convidado à Ceia e tu havia despojado o jardim das flores mais lindas para ornar a mesa onde teu Mestre haveria de consumar o seu alimento. Marta não te disse nada porque lembrava as minhas palavras e te olhava com uma doce inveja porque tu resplandecias de amor, andando e voltando nos preparativos.



E quando Eu cheguei tu correstes mais rápido que uma gazela ao meu encontro, precedendo os servos, para abrir a porteira com teu grito costumeiro. Parecia sempre o grito de uma prisioneira libertada. De fato Eu era a tua libertação e tu eras uma prisioneira libertada. Os Apóstolos estavam comigo. Todos. Também aquele que já era como um membro podre do corpo apostólico. Mas estavas tu para tomar aquele lugar. E tu não sabias que Eu olhando a tua cabeça abaixada para me beijar os pés, Eu esquecia o desgosto de ter ao meu lado o traidor. Quis que tu estivesse no Calvário por este motivo. Porque ver-te era ser seguro que a Minha morte não era sem resultado. E mostrar-me a ti era agradecimento pelo teu fiel amor...

Maria, tu bendita que nunca traíste, depois da conversão e que me confirmaste na esperança Minha de Redentor, em ti vi todos os salvos pelo Meu morrer. Aquela noite do convite enquanto todos comiam, tu adoravas. Me deste a água perfumada para os meus pés cansados e beijos castos e ardentes para as minhas mãos e, não contente ainda, quebraste o último precioso vaso de perfume teu para ungir-me a cabeça e me 'arrumaste' os cabelos como uma mãe e me ungistes as mãos e os pés para que o teu Mestre cheirasse como um rei consagrado... E Judas te odiava porque tu eras honesta...e te repreendeu...mas Eu te defendi porque tu fizeste tudo por amor. Um amor tão grande que a sua lembrança veio comigo na agonia da noite de quinta-feira até às quinze horas de sexta-feira...



Ora, por este ato de amor que tu me deste antes da minha morte, Eu venho a ti, antes da tua morte. O teu morrer não é diferente daquele que derrama o seu sangue por mim. O que dá o mártir? Dá a sua vida por amor ao seu Deus. Que dá o penitente? Dá a sua vida por amor ao seu Deus. Que dá o amante? Dá a sua vida por amor ao seu Deus. Vês que não há diferença. Martírio, penitência e amor consomem o mesmo sacrifício e pela mesma finalidade. Em ti, então, penitente e amante, há o martírio como de quem morre nas arenas. Maria, Eu te precedo na glória. Beija-me a mão e morre em paz. Repousa em paz. Para ti chegou o tempo de repousar. Dá-me os teus espinhos. Agora é tempo de rosas. Chegou o tempo de repousar. Deita-te e espera mais um pouco. Te abençôo, bendita.'

E Jesus a obriga a estender-se sobre aquela espécie de leito e desaparece. Ela, com lágrimas nos olhos, se estende. Pranto de êxtase e parece que está para dormir com as lágrimas nos olhos que continuam a descer, com as mãos cruzadas sobre o peito e um sorriso nos lábios. De repente uma luz vivíssima ilumina a gruta. Maria se levanta. É o Anjo que traz um Cálice e que pousa sobre o altar. O Anjo se ajoelha e adora. Maria também se ajoelha. O Anjo pega de novo o cálice e lhe dá a Comunhão. Depois o Anjo desaparece. Maria cai com o rosto sobre as folhas do seu leito e morre.

Fonte: Recados do Aarão

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