quarta-feira, 12 de julho de 2017

Porque o “você” no pós-vida não seria realmente você


Em um filme da Netflix produzido em 2017, chamado The Discovery, o ator Robert Redford interpreta um cientista que prova que a vida após a morte é real. “Uma vez que o corpo perde a vida, alguma parte de nossa consciência nos deixa e viaja até um outro plano”, explica Redford, evidenciando o argumento por sua máquina que mede, conforme define outro personagem, “comprimentos de cérebro em um nível subatômico que deixam o corpo após a morte”.

Essa ideia não está muito longe de uma teoria real chamada consciência quântica, defendida por uma ampla gama de personalidades, desde o físico Roger Penrose até o médico Deepak Chopra. Algumas versões afirmam que nossa mente não é estritamente um produto do cérebro e que a consciência existe separadamente da substância material, de modo que a morte do corpo físico não significaria o fim da existência consciente. Por este ser o tema do próximo livro de Michael Shermer (em inglês, tem o nome Heavens on Earth: The Scientific Search for Afterlife, Immortality and Utopia, pela editora Henry Holt), o filme desencadeou uma série de problemas que o autor identificou com todos esses conceitos, tanto no âmbito científico como no religioso.

Primeiro, para Shermer, existe a suposição de que nossa identidade está localizada em nossas memórias, que, segundo se presume, são permanentemente gravadas no cérebro: se elas pudessem ser copiadas e coladas em um computador ou duplicadas e implementadas em um corpo ou alma ressuscitada, nosso ser se restauraria Mas não é assim que a memória funciona. Eka não é como um DVR que pode reproduzir o passado em uma tela dentro da mente; é, ao contrário, um processo continuamente editado e fluido que depende completamente da funcionalidade dos neurônios no cérebro. É verdade que quando se vai dormir e acordar na manhã seguinte, ou entrar em uma anestesia e voltar horas depois de um procedimento cirúrgico, as memórias retornam, como ocorre mesmo após a chamada hipotermia profunda e parada circulatória. Sob este procedimento, o cérebro de um paciente é esfriado até 50 graus Fahrenheit, o que faz com que a atividade elétrica nos neurônios pare – sugerindo que as memórias de longo prazo sejam armazenadas estaticamente. Mas isso não pode acontecer com a morte do cérebro. É por isso que a reanimação cardiopulmonar deve ser feita logo após um ataque cardíaco ou afogamento – porque, se o cérebro está faminto de sangue rico em oxigênio, os neurônios morrem, junto às memórias armazenadas dentro dele.
Em segundo lugar, existe a suposição de que a cópia de conexões do cérebro – o diagrama de seus contatos neurais – carregada em um computador (como alguns cientistas sugerem), ou a ressurreição do eu físico em uma vida após a morte (como muitas religiões imaginam), trazem como resultado uma pessoa acordando de algo como um longo sono, em um laboratório ou no céu. Mas uma cópia das memórias de um indivíduo, de sua mente ou mesmo de sua alma não é o indivíduo. É uma cópia dele, como um gêmeo, e ninguém olha para um irmão igual a si e pensa: “oh, olhe eu ali”. Nem a duplicação nem a ressurreição podem instanciá-lo em outro plano de existência.

Em terceiro lugar, a identidade única de uma pessoa é mais do que apenas suas memórias intactas; é também o seu ponto de vista pessoal. O neurocientista Kenneth Hayworth, cientista sênior do Howard Hughes Medical Institute e presidente da Brain Preservation Foundation, dividiu essas individualidades em MEMself e POVself. Ele acredita que, se um completo MEMself for transferido para um computador (ou, presumivelmente, ressuscitado no céu), o POVself despertará. Shermer discorda. Se isso fosse feito sem que a pessoa morresse, haveria dois eus-memórias, cada um com seu próprio POVself, olhando para o mundo através de seus olhos únicos e singulares. Naquele momento, cada um tomaria um caminho particular na vida, gravando memórias diferentes com base em experiências distintas. Não se teria de repente dois POVs. Se alguém morreu, não existe um mecanismo conhecido pelo qual o seu POVself seria transportado do cérebro para um computador (ou um corpo ressuscitado). Um POV depende inteiramente da continuidade do eu de um momento para outro, mesmo que essa continuidade seja interrompida pelo sono ou anestesia. A morte é uma interrupção permanente da continuidade, e o POVself pessoal não pode ser movido do cérebro para algum outro meio, nem agora nem no futuro.

Se isso parece desanimador, é exatamente o contrário. A consciência de nossa mortalidade é edificante porque significa que cada momento, todos os dias e todos os relacionamentos são importantes. Envolver-se profundamente com o mundo e com outros seres conscientes traz significado e propósito à nossa vida. Cada um de nós é único no mundo e na história, geograficamente e cronologicamente. Nossos genomas e conexões não podem ser duplicados, então somos indivíduos atentos a consciência de nossa mortalidade e autoconsciência sobre o que isso significa. O que isso significa? A vida não é uma disputa temporária antes do grande show que vem a seguir: é nosso proscênio pessoal no drama do cosmos, aqui e agora. [ScienceAlert]

por Carolina Goetten
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