terça-feira, 6 de abril de 2010

Dois olhares sobre Chico Xavier, o filme

Um forte indicativo para se medir o potencial de público total de um filme é o seu desempenho no primeiro final de semana em cartaz. E como era esperado, Chico Xavier largou muito bem, com 590 mil espectadores. Marca que fez o diretor Daniel Filho superar a si, pois o filme nacional de maior sucesso nos primeiros três dias de exibição desde a retomada da produção nacional, no começo dos anos 1990 é  Se Eu Fosse Você 2, com 570 mil espectadores nos três primeiros dias de exibição - com um 6 milhões de espectadores, a comédia é o título campeão de público da retomada.
A cinebiografia do médium espírita brasileiro tem a seu favor o interesse de um público-alvo considerável - a ver que o modesto, em orçamento e qualidade da dramaturgia, Bezerra de Menezes, sobre outra figura simbólica do espiritismo nacional, atingiu um público superior a 500 mil.
Confira abaixo duas impressões sobre o filme entre a equipe do Segundo Caderno:

A missão do homem e a missão do filme
Tatiana Tavares
Já tinha lido o livro do jornalista Marcel Souto Maior (As Vidas de Chico Xavier, editora Planeta) quando fiquei sabendo que o diretor Daniel Filho faria um filme sobre Chico Xavier baseado nessa obra. Como seguidora do espiritismo, sabia que o filme não me contaria nada que eu ainda não soubesse sobre a vida do médium mineiro, mas acreditava que poderia fazer um bom panorama sobre a vida de Chico, contribuindo assim para a que foi sabidamente sua maior missão, a divulgação da religião (ou doutrina, como queiram) espírita.
Seria impossível, em pouco mais de duas horas, narrar uma vida inteira de solidariedade e de caridade, mas o roteirista Marcos Bernstein (de Central do Brasil) e o diretor Daniel Filho (de Se Eu Fosse Você) conseguiram fazer belos recortes da vida de Chico como homem e como médium, evitando transformá-lo em herói.
Se quisesse, o diretor poderia ter feito um filme para chorar. Bastaria ter se aprofundado nas precárias condições em que vivia Chico, nas dificuldades da infância - que foram muito maiores do que as mostradas pelo longa - e nas caminhadas que fazia para levar comida a pessoas ainda mais pobres do que ele. Mas Daniel Filho escolheu o caminho do relato e contou passagens importantes da vida do médium - pecou apenas ao não ter se detido em polêmicas que rondaram a vida de Chico, como a que envolveu o escritor Humberto de Campos, psicografado no livro Crônicas de Além Túmulo (Ed. Federação Espírita do Brasil).
Mesmo misturando fatos que ocorreram em momentos diferentes - os pais que buscam respostas sobre a morte do filho, na verdade, nada tinham a ver com o diretor do programa Pinga Fogo, da TV Tupi, que serviu de base para contar a história -, o filme foi fiel ao mostrar um Chico consolador, que recebia mães e pais em busca de notícias dos filhos mortos (desencarnados, segundo a doutrina espírita). O livro Jovens no Além (Grupo Espírita Emmanuel), por exemplo, traz uma série de cartas de jovens a seus pais psicografadas pelo médium. Para quem não conhece a história do espírita, parece evidente claro que ele não era um curandeiro ou alguém que fazia milagres. O objetivo do homem de Pedro Leopoldo (MG) era, por meio do espiritismo, acolher quem estivesse a procura de conforto.
Vendo as salas de cinema lotadas no primeiro fim de semana de exibição de Chico Xavier, fica claro que a missão de Chico Xavier de divulgar o espiritismo continua mesmo depois de sua morte - a doutrina, agora, leva milhares de pessoas ao cinema. Talvez essas pessoas também busquem o consolo da palavra espírita. E então Chico Xavier terá tido ainda mais sucesso. Afinal, se a missão de Allan Kardec foi codificar a doutrina espírita, a de Chico Xavier foi levar essa mensagem para o mundo inteiro.
Quando o mito é maior do que a vida
Roger Lerina
Um problema crucial em cinebiografias de grandes personalidades é separar o personagem do filme - uma coisa é a figura perfilada, outra é a obra que narra sua trajetória. Confundir um com outro, permitindo que o filme seja contaminado pelas qualidades do filmado, é um erro comum, que muitas vezes poupa uma produção de um julgamento mais crítico,
blindada que está pela empatia de seu biografado.
Chico Xavier certamente vai tirar partido da enorme popularidade do mito para garantir um público na casa das centenas de milhares de espectadores, a despeito de sua eficácia como narrativa cinematográfica. O longa do diretor Daniel Filho foi talhado para emocionar as massas, buscando por um lado destacar as capacidades mediúnicas de Chico Xavier e suas visões de espíritos, por outro humanizar o protagonista, confrontando–o com céticos e ressaltando seus sofrimentos pessoais e seu bom humor.
O roteiro de Marcos Bernstein - o mesmo de Central do Brasil (1998) - acerta ao fornecer um eixo para a história: os episódios da vida de Chico Xavier se sucedem entremeados à recriação de uma célebre entrevista concedida pelo médium. Outro achado dramático é o destaque ao casal interpretado por Tony Ramos e Christiane Torloni, cujo filho morreu de maneira estúpida - a mãe acredita na capacidade de Xavier de falar com o rapaz morto, o pai duvida.
Estabelecida a forma como Chico Xavier vai contar a trajetória de seu protagonista, resta definir o tom dessa narrativa. E é aí que o longa de Daniel Filho carrega nas tintas e afasta o público que não é entusiasta a priori do médium e de sua obra. A fim de priorizar os aspectos sentimentais dos episódios da vida de Chico Xavier, o filme não desenvolve a psicologia dos personagens ou os conflitos que eventualmente são colocados em cena - o que vale é a sensação imediata, a identificação automática do público com imagens de solidariedade, sofrimento, superação, perda, devoção, bonomia.
Se o roteiro é eficiente do ponto de vista de estrutura, é falho quanto aos diálogos, excessivamente óbvios ou artificiais - o apelo ao coração é sublinhado pela trilha sonora grandiloquente de Egberto Gismonti.
Competente diretor de atores, Daniel Filho arranca uma interpretação na medida certa de Nelson Xavier - espantosamente parecido com Chico Xavier em seus últimos anos e especialmente eficaz nas cenas de humor. O mesmo não se pode dizer de Ângelo Antônio, preso à representação física um tanto caricata do médium quando mais novo, e do ator André Dias, involuntariamente risível encarnando o espírito Emmanuel. As boas atuações de Tony Ramos e Christiane Torloni também são vítimas desse compromisso com a sedução pela emoção: o interessante conflito do casal descamba para uma catarse que afoga em lágrimas qualquer reflexão sobre o filme.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário.