segunda-feira, 19 de abril de 2010

Bento XVI completa cinco anos à frente dos católicos sob a marca do escândalo

Tatiana Sabadini
Publicação: 19/04/2010 08:47

Papa chega para celebrar missa em Malta: vítimas de pedofilia se emocionaram no encontro - (ALBERTO PIZZOLI )

Papa chega para celebrar missa em Malta: vítimas de pedofilia se emocionaram no encontro
De joelhos e em silêncio, o papa Bento XVI rezou ontem em uma capela em Malta. Ao lado, oito jovens faziam o mesmo. Na viagem à ilha mediterrânea, reduto católico desde o tempo das cruzadas, o pontífice encontrou-se pela terceira vez com vítimas de abusos sexuais cometidos por religiosos. A conciliação parece ser o maior desafio de Joseph Ratzinger, que zelou como cardeal pela ortodoxia doutrinária da Igreja e hoje completa cinco anos como seu líder. De um lado, o pontífice é pressionado para assumir os erros e a expectativa por mudanças. Do outro, carrega o peso de uma tradição secular. Bento XVI celebra o aniversário de um pontificado conturbado pelos escândalos de pedofilia envolvendo padres e pela tensão com muçulmanos, judeus e cristãos anglicanos.

“Fiquei impressionado com a humildade do papa. Ele tomou para si o constrangimento causado pelos outros. Ele foi muito corajoso. Escutou-nos individualmente, rezou e chorou conosco”, contou à imprensa Lawrence Grech, uma das vítimas de abuso sexual em Malta. O jovem garantiu que não quer pedidos de perdão de Bento XVI. “Eu exigi desculpas antes porque estava enfurecido. Minha raiva desapareceu e estou satisfeito por ter encontrado o papa. Continuarei batalhando, não contra a Igreja, mas contra a pedofilia”, completou.

Depois da divulgação de uma série de casos de abuso nos Estados Unidos, na Austrália e na Irlanda, Bento XVI reagiu, ainda que de forma discreta. Pela primeira vez, um papa reconheceu a ocorrência de casos de pedofilia na Igreja e pediu perdão às vítimas. Uma carta de oito páginas quebrou a política do silêncio, aplicada durante décadas pelo Vaticano. “Ele demonstrou um grande senso de responsabilidade e colocou a culpa nos próprios ombros. A carta foi muito importante, porque ele teve a oportunidade de explicar bem os problemas do clero e a culpa dos bispos”, disse ao Correio Andrea Tornielli, vaticanista e autor da biografia Bento XVI — o guardião da fé.

Tímido e discreto, o pontífice não lota estádios nem conta com a simpatia do seu antecessor imediato, João Paulo II. Os desafios do pontificado, porém, não são os mesmos. Além do escândalo dos abusos sexuais, nesses cinco anos ele se viu envolvido em outras polêmicas (veja o quadro), como a legalização do aborto em países de tradição católica, o uso de preservativos para conter a Aids e o difícil diálogo com muçulmanos e judeus. “Não lembro de um pontificado da era moderna que tenha vivido uma crise maior. Tantas controvérsias acabaram por dividir os católicos, que sentem que a Igreja está dividida e não tem a mesma influência que existia com João Paulo II ”, reconhece o vaticanista Marco Politi.

Transição

Os especialistas acreditam que Bento XVI lidera a Igreja em uma fase de transições. E tenta equilibrar-se entre o conservadorismo e o mundo moderno. “A característica mais importante do seu pontificado é que ele não se considera um líder ou um chefe. É evidente que no Vaticano existem problemas administrativos, mas acredito que isso seja responsabilidade dos colaboradores do papa”, analisa Tornielli.
A cobrança de punição para os religiosos que cometeram abusos intensificou-se depois que começaram a vir à tona casos negligenciados pela Igreja durante décadas. Na carta divulgada há um mês, Bento XVI cobrou publicamente a participação do clero para que os problemas não se repitam, mas não indicou medidas para combater a pedofilia dentro da instituição. “Alimento a confiança de que os bispos se encontrem agora numa posição mais forte para levar adiante a tarefa de reparar as injustiças do passado e para enfrentar as temáticas mais amplas relacionadas com o abuso dos menores”, escreveu o papa.

Para Tornielli, não há sinais de que Bento XVI consiga fazer uma mudança substancial na doutrina da Igreja. “Não acredito que o pontificado de Bento XVI possa mudar a estrutura do clero ou da Igreja. Ele trabalha para mudar as atitudes humanas, para tentar o encontro entre o mistério e o sagrado da liturgia, para apresentar uma conexão entre a fé e a razão e reforçar a identidade dos cristãos”, conclui o biógrafo.

Três perguntas

» Andrea Tornielli é vaticanista, autor da biografia Bento XVI - o guardião da fé

Como o senhor analisa a forma como Bento XVI lida com as crises na Igreja?
Acredito que o papa mostra um grande senso de responsabilidade, porque, no caso dos bispos lefebvristas e de abuso sexual, ele colocou a culpa nos próprios ombros. A carta que escreveu para os católicos da Irlanda foi muito importante, porque ele teve a oportunidade de explicar bem os problemas do clero e a culpa dos bispos.

Quais as principais caraterísticas do papa como líder?
A chave para entender isso é lembrar o que ele mesmo disse em um discurso na Capela Sistina, um dia depois da sua eleição, em 2005: “O papa deve saber que representa a luz de Jesus Cristo, e não a sua própria luz”. Para mim, isso significa um grande senso de humildade e o conhecimento de um desafio importante para um protagonista como o líder da Igreja.

Bento XVI pode trazer mudança e modernidade na doutrina da Igreja?
Não acredito que o pontificado de Bento XVI possa mudar a estrutura do clero ou da Igreja. Ele trabalha para mudar as atitudes humanas, para tentar o encontro entre o mistério e o sagrado da liturgia, para apresentar uma conexão entre a fé e a razão e reforçar a identidade dos cristãos.


Papado controverso

Veja algumas das principais polêmicas que marcaram até aqui o pontificado de Bento XVI:


Nazismo
Durante peregrinação ao campo de extermínio de Auschwitz, em maio de 2006, o papa responsabilizou “um grupo de criminosos que abusaram do povo alemão” pelos crimes cometidos sob a ditadura nazista. A frase, dita por um alemão, foi vista por críticos como sinal de leniência. O assunto voltou à tona em dezembro passado, quando o pontífice proclamou “venerável” o antecessor Pio XII, questionado por ter silenciado sobre o Holocausto dos judeus.

Islã
Bento XVI proferiu conferência em Regensburg (Alemanha), onde foi professor, em setembro de 2006. Seu tema eram os laços entre fé e razão, mas incluiu citação de um imperador bizantino do século 12, relacionando o islã à violência.

Conversão de indígenas
Em visita ao Brasil, em maio de 2007, o pontífice silenciou sobre o genocídio dos indígenas e negou que as culturas pré-colombianas tenham sido anuladas pela imposição de matrizes europeias. Dez dias mais tarde, diante das reações negativas, lamentou “os sofrimentos e as injustiças” sofridas pelos índios.

Aborto
A caminho do Brasil, no avião, Bento XVI abonou as ameaças de extradição feitas por bispos contra políticos favoráveis à legalização do aborto. A afirmação causou mal-estar com o presidente Lula, que, embora condene o aborto “como indivíduo”, alega que, na condição de presidente, encara o assunto do ponto de vista “da saúde pública”.

Aids e preservativos
Em março de 2009, em viagem à África, o continente mais afetado pela epidemia, o papa declarou que “não se pode resolver o problema da Aids com a distribuição de preservativos”. Colheu reações negativas de líderes políticos e associações civis. 
Correio Braziliense

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