terça-feira, 23 de março de 2010

O desafio do fundamentalismo

André Tadeu de Oliveira
Amálgama

Durante a década de sessenta do século passado, um pensamento se fez bastante presente no mundo ocidental: Deus está morto! Tudo levava a crer que a religião seria banida, definitivamente, das preocupações de uma pessoa minimamente racional, ou, na melhor das hipóteses, seria relegada ao universo particular e intimo do crente.

Porém, a história desmentiria tal premissa. A religião não apenas se manteve como fator primordial na vida de muitas pessoas, mas aumentou, de forma substancial, sua influência em muitos setores da sociedade. Infelizmente, esta influência, muitas vezes, foi especificamente maléfica.

Seriam todos os religiosos responsáveis por esta influência nefasta, castradora e negadora dos direitos fundamentais adquiridos com muito custo pela sociedade? Creio que não. Em primeiro lugar, uma sociedade verdadeiramente democrática é composta por diferentes grupos de pressão, sejam eles secularistas ou religiosos. Crentes e descrentes possuem o mesmo direito, devendo exercer sua cidadania de maneira plena.

São incontáveis as contribuições em prol de uma sociedade mais justa e igualitária promovidas por religiosos das mais diferentes tradições. O mesmo pode-se dizer a respeito de cidadãos e organizações que em nada crêem.

O grande problema concernente à influência da religião na vida pública ocorre quando a mesma deteriora-se, mostrando sua face mais terrível e assustadora: o fundamentalismo. Este fundamentalismo tão perigoso é abordado de forma bastante clara e didática por Lloyd Geering em seu livro Fundamentalismo: Desafio ao mundo secular, publicado pela editora paulista Fonte Editorial.

Geering é pastor e teólogo vinculado à Igreja Presbiteriana da Nova Zelândia, uma das maiores denominações cristãs em seu país. Professor de Antigo Testamento, foi o primeiro teólogo a ser condecorado com a medalha de honra ao mérito pelo governo neozelandês, desenvolvendo uma atuação marcante em movimentos sociais, sindicais e ecológicos. Experimentou na pele a fúria dos fundamentalistas em sua própria igreja, sendo submetido a um longo processo eclesiástico motivado por dois artigos polêmicos – o primeiro abordava a questão da ressurreição de Cristo, o segundo discorria sobre a imortalidade da alma. O julgamento ganhou tamanha relevância ao ponto de ser transmitido pela TV neozelandesa por dois dias consecutivos. O veredicto final absolveu Geering.

O livro que temos em mãos constitui-se de apenas quatro capítulos. Não pode ser considerado um verdadeiro tratado a respeito da questão, mas aborda de forma compreensível e direta o assunto, concentrando-se nos fundamentalismos cristão, judaico e muçulmano. No primeiro capítulo, o autor neozelandês debruça-se sobre a história do movimento fundamentalista, revelando, também, o contexto histórico responsável pelo surgimento desta tendência, assim como os inimigos a serem combatidos pelos fundamentalistas.

O segundo capítulo é magistral. Mostra como o fundamentalismo, ao contrário de ser um fiel defensor da ortodoxia em qualquer crença religiosa, não passa de uma tosca deturpação do verdadeiro espírito de fé. Por demais interessante é o tópico referente ao fundamentalismo cristão e o literalismo bíblico.

No terceiro capitulo, Geering explora como esta tendência religiosa é perigosa quando adquire contornos políticos. A direita cristã nos EUA, o sionismo religioso e os grupos islâmicos são abordados de forma esclarecedora. No último capítulo, o autor apresenta soluções para o religioso saudável enfrentar de maneira direta e criativa o crescente fundamentalismo em suas fileiras.

Esta pequena obra pode ser considerada uma leitura essencial para quem deseja compreender o que vem a ser o fundamentalismo religioso e quais suas conseqüências.

Fundamentalismo: Desafio ao mundo secular ::: Lloyd Geering ::: Fonte Editorial, 2009, 106 páginas :::
* André Tadeu de Oliveira, São Paulo-SP, é jornalista e estudante de Teologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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