segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

E será Natal para sempre

Toda realização grandiosa começou com uma ideia, um sonho e uma vontade.

Tudo começa no pensamento para depois ganhar vida no mundo das possibilidades.

Pensar bem, pensar grande, é construir antes da construção, é acreditar no que pode vir a ser, é mover o mundo para que o melhor se realize.

Carlos Drummond de Andrade construiu seu futuro, acreditando na melhoria dos homens, dizendo:

Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de dez meses. Imperfeitamente embora, o resto é Natal.

É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: dez meses de Natal e dois meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas.

Será bom. Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente.

Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade.

Os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura, nem de suicídio.

O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso.

A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som.

Para que livros? Perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a Terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram. Equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.

Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semiarmadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo.

Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas.

Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas.

E será Natal para sempre.

Redação do Momento Espírita, com base
em texto do livro Cadeira de balanço, de
Carlos Drummond de Andrade.
Em 25.12.2017.
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