sexta-feira, 14 de maio de 2010

Paulo Wright, cristão e revolucionário

Amalgama
por André Tadeu de Oliveira * – A história do cristianismo ilustra o caminho de muitos homens e mulheres que vivenciaram o martírio por causa da justiça. É o caso de Paulo Wright (1933-?), ilustre cristão e cidadão brasileiro esquecido pela historiografia de nosso país e pela Igreja Evangélica, instituição a qual dedicou parcela significativa de sua vida.

Paulo Stuart Wright nasceu em julho de 1933 na pequena cidade de Herval, Santa Catarina. Seus pais, Lathan e Bella Wright, missionários presbiterianos estadunidenses, foram responsáveis pela implantação do trabalho reformado nesta região de Santa Catarina . Apesar da forte perseguição, organizaram uma pujante igreja presbiteriana e uma escola paroquial.

A infância de Paulo foi marcada por um ambiente harmonioso, porém, ao mesmo tempo, bastante rígido. O contato com a natureza e com os animais, assim como a preocupação para com o sofrimento do próximo, ajudaram a formar seu caráter. Acompanhava com profundo interesse a atividade pastoral desenvolvida pelo pai, principalmente as visitas realizadas costumeiramente aos doentes e necessitados. Neste mesmo período, uma tragédia familiar deixaria marcas profundas sobre toda a família: a morte, por afogamento, de seu sétimo irmão no temido rio do Peixe. Terminando o curso primário, prosseguiu os estudos no Instituto Educacional de Passo Fundo-RS, ligado aos metodistas.

Como era costumeiro entre filhos de missionários, embarcou para os Estados Unidos a fim de continuar sua formação acadêmica. Deixou no Brasil aquela que seria seu grande amor e companheira por um longo tempo, Edimar Rickli, também conhecida como Edi, filha de um pastor presbiteriano paranaense. Nos Estados Unidos, Paulo ingressou no curso de sociologia e política no College of the Ozarks, Arkansas. A leitura de clássicos sociológicos, assim como uma interpretação mais apurada da situação política mundial, despertou a futura vocação política do jovem catarinense. Já prestes a graduar-se em sociologia, optou por prosseguir os estudos, escolhendo o curso de pós-graduação em estudos da população da Universidade da Flórida. Entre a graduação e o mestrado, mudou-se para Los Angeles, Califórnia, onde arrumou um emprego na construção civil, envolvendo-se em greves e piquetes pela melhoria das condições de trabalho.

Este novo universo teórico e prático obtido nos Estados Unidos, aliado à sua profunda fé cristã, estimulou o jovem Paulo a retornar ao país e lutar por uma sociedade mais justa. De volta ao Brasil, estabeleceu-se em São Paulo, onde participou da pioneira experiência realizada por Richard Shaull, importante teólogo presbiteriano em atividade no Brasil, em Vila Anastácio, região operária do tradicional bairro paulistano da Lapa. Esta experiência consistia em reunir jovens cristãos sob um mesmo teto de acordo com um prisma comunitário. Estes jovens eram incentivados a estabelecer contato com os operários da região, exercendo, quando possível, a mesma função profissional. Cumprindo as promessas feitas antes de ir aos EUA, casou-se com Edi no final de dezembro de 1956, sendo a benção matrimonial impetrada por seu irmão Jaime, então um jovem pastor protestante.

Após veementes pedidos de sua esposa, retornou a Santa Catarina, estabelecendo residência em Joaçaba. Filiou-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sendo, aos 25 anos de idade, candidato a vereador. Não conseguindo se eleger, exerceu o cargo de secretario da prefeitura.

Em 1959, o reverendo Lathan retornou aos EUA, concedendo um belo motivo para que Paulo voltasse, junto com Edi, ao mesmo projeto de Vila Anastácio. Ordenado presbítero, tornou-se um destacado líder da mocidade presbiteriana, sendo colunista freqüente no órgão oficial da mocidade da Igreja Presbiteriana do Brasil, o jornal A Mocidade. Boa parte de seus escritos girava em torno da importância da conscientização do cristão para com os problemas sociais brasileiros. Conseguiu uma vaga de torneiro mecânico filiando-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Em 10 de outubro de 1959 nasceu seu filho, Charles Granville Wright. Devido a complicações no parto, mas, principalmente, à ausência de médicos no hospital público paulistano, a criança faleceu um dia após.

Profundamente abalado pelo episódio, continuou seu trabalho de conscientização político-social do povo evangélico, sendo eleito, em 1960, secretário geral da União Cristã de Estudantes do Brasil. No I Encontro Sul- Americano sobre o calvinismo escreveu a seguinte tese:

É certamente possível à obra humana acabar com a fome, a miséria e o analfabetismo. Nossa maneira de amar nosso próximo deve certamente ir além da ajuda que possamos dar a indivíduos necessitados; deve levar a sério nossa responsabilidade de fazer acabar a miséria e a fome, pois estas forças não têm mais poder e foram destronadas por Jesus Cristo.

Para Paulo, a atuação do cristão na sociedade deveria suplantar meras atitudes beneficentes. O crente deveria lutar por mudanças estruturais que erradicassem a miséria e a desigualdade.

No mesmo ano, retornou com sua esposa para Joaçaba, lançando-se candidato a prefeito pelo mesmo PTB. Ao término do pleito, foi derrotado pelo candidato conservador da União Democrática Nacional (UDN) pela ínfima diferença de 8 votos.

Não desistiu da carreira política, sendo nomeado pelo governador de Santa Catarina, ligado ao aliado PSD, diretor da Imprensa Oficial do Estado. Tal função burocrática não conteve o ímpeto do jovem político, que se engajou em movimentos pró-revolução cubana e organizou, diretamente, 27 cooperativas de pescadores no litoral catarinense. Ao mesmo tempo, era um presbítero bastante atuante na Igreja Presbiteriana de Florianópolis, sendo um dos principais organizadores da polêmica conferência do Nordeste organizada pela Confederação Evangélica do Brasil.

No entanto, toda a militância de Paulo Wright em vários setores da sociedade civil clamava por uma função mais decisiva. Esta função seria exercida no parlamento, para o qual foi eleito deputado estadual pelo PSP, já que seu antigo partido, o PTB, não forneceu legenda. Foi um dos deputados mais votados no pleito, com aproximadamente 2.144 votos.

Como deputado estadual, lutou pelo direito dos pescadores do litoral, além de ser um sólido defensor das reformas de base promulgadas pelo presidente João Goulart. Sua atuação junto aos jovens ganhava novo vulto, mantendo contato com grupos seculares, como a Ação Popular, grupo esquerdista com forte influência católica.

Como era de se esperar, segmentos conservadores iniciaram uma forte campanha contra Paulo, acusando-o de comunista e subversivo. Passado um ano, mais precisamente em abril de 1964, os mesmos setores insatisfeitos com as reformas anunciadas por Jango organizaram um golpe militar que derrubou o presidente democraticamente eleito. Iniciava-se no Brasil uma dura e impiedosa ditadura. A maioria do povo evangélico brasileiro, influenciada por setores conservadores da igreja norte-americana, encarou o golpe de 64 como uma “resposta de Deus contra o comunismo ateu”. Mais uma vez a igreja se colocava ao lado dos poderosos.

Paulo Wright sentiu rapidamente os horrores da perseguição. Devido a sua postura esquerdista, teve o mandato cassado pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina. Ferozmente perseguido, dirigiu-se a Curitiba, embarcando posteriormente para México e Cuba. Durante todo o tempo em que permaneceu nos dois países, manteve freqüente correspondência com sua esposa e queridos.

Vivendo em Cuba, Paulo passou por uma sólida mudança política, chegando a defender, até mesmo, uma revolução armada para que o socialismo fosse implantado no Brasil. Não obstante, continuava a professar a fé cristã, deixando claro que sua profissão de fé evangélica não era incompatível com sua tendência socialista:

Creio que a fé cristã não se identifica com nenhum sistema particular. Ao mesmo tempo o homem pode ser socialista e os fatos dizem que muitos cristãos o são. Entendo que nós, como cristãos, temos a obrigação de reagir precisamente na hora que nos toca viver. No mundo de hoje se vislumbra uma coincidência entre as aspirações dos cristãos e dos socialistas quanto à vida humana, isto é, justiça e bem estar do homem.

Após um bom tempo em Cuba, retornou ao Brasil como um dos principais lideres da Ação Popular Marxista-Leninista, um dos vários grupos de esquerda que lutavam contra a ditadura militar. Vivendo na clandestinidade, viu seu casamento chegar ao fim.

Em 1973, foi detido em São Paulo e levado para o DOI-CODI, onde provavelmente foi torturado e morto pela repressão. Este foi o fim de Paulo Wright, esquecido por parcela significativa da esquerda brasileira e da igreja que tanto amou.

Seu exemplo de vida, contudo, não foi em vão. O irmão Jaime Wright, pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU), foi responsável pela organização de um dos mais completos dossiês a respeito dos crimes cometidos pelo regime ditatorial, lançado como livro sob o título Brasil nunca mais. Colaborou com este trabalho o então arcebispo católico Dom Paulo Evaristo Arns, um dos ícones do catolicismo progressista brasileiro.

* André Tadeu de Oliveira, São Paulo-SP, é jornalista e estudante de Teologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Este texto foi publicado inicialmente na revista Alvorada, veículo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.

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