(Episódio do incêndio na feira)
No meio de tanto lixo
Um homem revira e cheira.
E muito parece um bicho
Nutrindo-se na lixeira.
A alface murcha e roída
E o queimado rabanete,
São mais que a simples comida,
São na verdade um banquete.
A fome tem hora certa
E vem três vezes ao dia,
Tanto faz haver oferta
Ou ainda haver carestia.
Um homem fuça os detritos
Entre os chamuscados restos.
E tem os olhos aflitos
E tem o ventre indigesto.
Mas sua dormente língua,
Da boca que nunca come,
Só sente o gosto da míngua,
Só sente o gosto da fome.
E os bichos da redondeza
Promovem competição.
Ratos têm sua destreza
E querem o seu quinhão.
É a sua lida diária,
A sua infinda mão-de-obra,
Pôr no dorso da alimária
Para seus filhos a sobra.
De um lado do muro.
Do outro lado do muro.
De um lado do muro: a brincadeira,
O lazer, a diversão.
Do outro lado: o trabalho,
O dever, a obrigação.
De um lado do muro:
Velhos e jovens sorvendo a vivência.
Do outro lado: a sobrevivência.
De um lado do muro: o que cai no chão não se come.
Do outro lado: no chão se sacia a fome!
De ambos os lados do muro: mergulhos.
Na piscina, de águas tranqüilas.
No lixão, com ondas de entulhos!
A fome
Está à espreita de sinais vermelhos.
A fome
Está em todas as esquinas
E nas janelas de todos os carros.
A fome
Rouba relógios de pulso nas praças
E biscoitos nos supermercados.
A fome
Disputa os restos nos lixões
Com ratos e urubus.
A fome
(Tomara)
Mate logo
A fome
Sem que mate,
Para isso,
O homem.
Água com açúcar
No lugar do leite
Na mamadeira.
A derradeira
Súplica de quem
Não tem a quem
Suplicar.
A fome,
De fato,
É um prato
Cheio
De descaso.
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