A maioria das pessoas possui o desejo de ter sucesso profissional e luta para conseguir ser bem sucedido. Um desejo natural de ter uma boa profissão, trabalhar com dedicação, sustentar sua família, ser útil e reconhecido como competente naquilo que faz.
Às vezes adicionamos um pouco mais a isto, além de apenas ter um trabalho e estabilidade financeira, desejamos também um pouco do que podemos chamar de fortuna, um nível de renda que está além da média das outras pessoas e desejamos isto como a intenção de praticar ações de caridade. Dizemos então que iremos poder viajar pelo Brasil ou pelo mundo executando ações de ajuda aos necessitados, ou que iremos instituir uma obra assistencial ou construir casas, distribuir alimentos etc.
Em relação a esta ambição muito comum, foi perguntado aos espíritos na questão de número 902 de O Livro dos Espíritos:
“902. Será reprovável que cobicemos a riqueza, quando nos anime o desejo de fazer o bem? Resposta: Tal sentimento é, não há dúvida, louvável, quando puro. Mas, será sempre bastante desinteressado esse desejo? Não ocultará nenhum intuito de ordem pessoal? Não será de fazer o bem a si mesmo, em primeiro lugar, que cogita aquele, em quem tal desejo se manifesta?”
Os espíritos respondem com outra pergunta, questionando se aquele que possui este desejo não está na verdade querendo se beneficiar em primeiro lugar e utilizando a caridade como um pretexto, cobiçando na verdade a riqueza. Apesar de ser digno de elogio qualquer projeto ou intenção de ajuda aos necessitados, existe realmente uma certa contradição que chama a atenção e por isso levanta esta desconfiança na atitude daqueles que cobiçam a riqueza como instrumento de pratica da caridade. Ser rico com a única intenção de praticar atos de caridade significaria na verdade abrir mão de todos os privilégios e continuar a viver como uma pessoa normal.
Mas não é assim que geralmente imaginamos nossa futura vida de abastança e caridade. Quando imaginamos ou aspiramos por exemplo nos tornarmos empresários muito bem sucedidos e promover obras de caridade, não pensamos em abrir mão de todos os privilégios e do estilo de vida de típico das pessoas desta classe social. Guardadas as devidas proporções, pensamos um pouco como o camponês que queira assumir o comando de um reino da idade média declarando como única intenção governar bem e ajudar o povo, mas sem abrir mão das roupas finas, dos serviçais, da comida muito farta e da vida de pouco trabalho e muitos prazeres típica de um rei. Ou como o líder guerrilheiro revolucionário que só queria se sacrificar pelo povo oprimido, mas que agora deseja passar o resto de sua vida num palácio com todos os confortos que o povo nunca vai poder ter.
Muitos dos que sonham com a obtenção de uma fortuna para poderem praticar obras de caridade, na verdade nem tiveram acesso a ela e já se imaginam cedendo a algumas das tentações da riqueza. Conforme explicam os espíritos na resposta da pergunta de número 816 do mesmo livro:
“816. Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não dispõe, por outro lado, de mais meios de fazer o bem? Resposta: Mas, é justamente o que nem sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável. Com a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante para si unicamente.”
É justamente ai que mora o perigo. O acesso à riqueza muda a maioria das pessoas, elas aos poucos começam a se adaptar ao consumo de bens que não tinham acesso anteriormente e logo se veem prisioneiras deste estilo de vida. A maioria de nós, quando sonha com a obtenção de riqueza para praticar obras de caridade, não tem a coragem e a resolução firme de abrir mão de todo e qualquer privilégio. No fundo, já aceitamos a ideia de talvez no futuro acabarmos cedendo a algumas daquelas tentações como a ociosidade, os itens de luxo etc.
O que precisamos entender é que a suposta felicidade da riqueza, dos supérfluos e da ideia do trabalho como uma fonte de diversão e prazer é enganosa, aqueles que são expostos a estas tentações estão na verdade enfrentando uma prova. Enxergamos apenas as alegrias dos privilégios de uma vida supostamente abençoada e acabamos por imaginar uma estranha combinação, uma vida de pratica da caridade e amor ao próximo, junto com privilégios e regalias, que seriam mais típicos de uma mente egoísta.
Perguntados sobre a riqueza e a pobreza os espíritos deixam claro que ambas são formas de provar o nosso caráter:
“Pergunta 814: Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria? Resposta: Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com freqüência.”
“Pergunta 815: Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a da desgraça ou a da riqueza? Resposta: São-no tanto uma quanto outra. A miséria provoca as queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os excessos.”
Tendo a consciência de que uma vida dedicada à caridade e ações em benefícios dos necessitados não é uma vida de privilégios materiais e sim uma vida de sacrifício com algum nível de privação, podemos perceber que a ideia de uma vida com certa abastança concomitante com a prática sincera e desinteressada da caridade é uma ilusão. Na verdade é mesmo uma contradição desejar mais para si mesmo para poder praticar o desapego. Os espíritos deixam claro que a fortuna material é sempre uma prova que tem como finalidade testar nossa moderação e nossa humildade. Esta característica da riqueza como prova e não como privilégio também está bastante explicita nesta passagem de O Evangelho Segundo o Espiritismo “Como o vento varre a poeira, que o sopro dos Espíritos elimine vossa inveja contra os ricos do mundo que, freqüentemente, são os mais miseráveis, pois suas provas são mais perigosas que as vossas.” (Cap. 6,6) E ainda mais adiante no capítulo 13 a sinceridade das boas intenções da maioria daqueles que desejam obter fortuna para prática da caridade também neste livro é questionada:
“Muitas pessoas lamentam não poder fazer todo o bem que desejariam por falta de recursos suficientes e desejam a riqueza, dizem elas, para fazer da fortuna um bom uso. Sem dúvida a intenção é louvável e talvez muito sincera em alguns, mas será que é totalmente desinteressada em todos? Não há aqueles que, desejando fazer o bem aos outros, ficariam felizes se começassem primeiro a fazer o bem para si mesmos? Se permitirem mais prazeres, se proporcionarem um pouco mais do luxo que lhes falta, com a condição de darem o resto aos pobres? Esta segunda intenção, oculta, disfarçada, que encontrariam no fundo de seus corações se o interrogassem, anula o mérito da intenção, visto que a verdadeira caridade faz o homem pensar primeiro nos outros, para depois pensar em si mesmo. O sublime da caridade, neste caso, seria procurar em seu próprio trabalho, pelo emprego de suas forças, de sua inteligência e de seus talentos, os recursos que faltam para realizar suas intenções generosas.” (Cap. 13,6)
Assim, entendemos que obter uma fortuna com a qual se possa ajudar muita gente e ao mesmo tempo não se colocar como primeiro beneficiário desta fortuna, significa não mudar seu estilo de vida, a menos que se viva atualmente em uma situação de dificuldade pior do que a média das outras pessoas. Viver de acordo com este princípio, munido do verdadeiro desejo desinteressado de prática da caridade, significa ser apenas administrador da fortuna emprestada por Deus. É o mesmo que ser um funcionário público encarregado de distribuir ajuda aos necessitados, mas que não pode e nem deve se apropriar de nenhuma parte daquilo que lhe foi confiado. O servidor público honesto que sabe das suas responsabilidades não pode aceitar nem mesmo favores ou qualquer privilégio, mesmo que seja apenas uma “reforminha” num apartamento.
Ainda em O Evangelho Segundo o Espiritismo encontramos a explicação de que muitas vezes nos é negado acesso aos recursos que pedimos com uma boa intenção, como a de praticar a caridade, mas que isto frequentemente ocorre para o nosso próprio bem:
“Podemos pedir a Deus benefícios materiais, e Ele pode nos atender, quando tenham um objetivo útil e sério. Mas, como julgamos a utilidade das coisas do nosso ponto de vista, e sendo a nossa visão limitada ao presente, nem sempre vemos o lado mau do que desejamos. Deus, que vê melhor do que nós e apenas quer o nosso bem, pode nos recusar o que pedimos, como um pai recusa ao filho o que poderia prejudicá-lo.” (Cap. 28,26)
Então, se pedirmos algo com a intenção de praticar ações de caridade, seja fortuna ou seja um emprego público ou qualquer outra responsabilidade, e por acaso Deus não nos atender, existe uma grande probabilidade de que seja para nos proteger das tentações em que cairíamos, pode ser também que ainda não seja o momento adequado porque ainda não estejamos devidamente preparados, ou pode ser que exista algo maior ainda do que aquilo que pedimos e que esteja reservado para o nosso futuro. De qualquer forma, precisamos acreditar na providencia e na sabedoria dos nossos espíritos protetores, sempre estudando e nos preparando, também treinando nossa humildade e nosso desapego, para o dia em que seremos chamados a assumir uma grande responsabilidade com competência para executar o serviço e imunes a quaisquer tentações.
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