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O "Reino Central", como a antiga China era conhecida nos velhos tempos, continua exercendo um fascínio sobre as pessoas, principalmente àquelas que se dedicam ao estudo do Feng Shui. Neste país-continente, infinitamente mais que em qualquer outro local do mundo, existem as mais importantes e históricas construções de Feng Shui. Sinto-me inclinado a compartilhar as maravilhosas recordações que senti durante minha recente viagem para a Ásia. Elas não pretendem ser um guia de viagem mas, isso sim, um estímulo para os viajantes e informações verdadeiras e atuais. Palavras não podem exprimir os verdadeiros sentimentos e emoções de uma viagem. Por isso decidi incluir algumas fotos na tentativa de mostrar, visualmente, as maravilhosas obras que os homens podem realizar quando harmonizados com o verdadeiro espírito criador. A natureza criativa exerce um poder sobre as pessoas, e as construções devem ser baseadas em conceitos de harmonia, beleza e criatividade. Meu maior desejo é que você possa sentir, nem que seja um pouco, as maravilhosas criações realizadas com as técnicas da antiga arte-ciência do Feng Shui, bem como muitas das coisas maravilhosas que existem nesse mundo gigante. "Boa viagem!"
Durante toda a viagem sempre tive em meus pensamentos uma frase que, há algum tempo, um amigo que viveu durante muitos anos em toda a Ásia disse: "Eu penso que é quase impossível dizer a alguém como é um local como Hong Kong ou China a menos que as pessoas vão por si próprias, vejam e sintam pessoalmente". Decidi sentir por mim próprio. Suas palavras quando do início de minha viagem ainda ressoam claras em meu ouvidos: "Take care my friend! Travel safely and remember the old chinese saying, 'Beware the smile that hides a dagger'."
Olhando o avião para Hong Kong senti novamente a felicidade de tornar-me um viajante sem rumo certo e sem tempo, apenas com os olhos sempre bem abertos para compreender cada detalhe. Algumas pessoas haviam falado sobre os perigos de viajar pela China, mas eu tinha a idéia (que depois se confirmou) de que nada poderia ser mais perigoso do que viajar pela América do Sul de trem e ônibus, e se eu ainda estava vivo, iria sobreviver aos chineses (talvez nem tanto quando a comida...)
A chegada em Hong Kong foi triunfal. O novo aeroporto, do arquiteto Norman Foster é estupendo e, segundo dizem, foi construído baseado nas leis do Feng Shui. Não tenho certeza sobre isso, pois não consegui confirmar este fato. Entretanto, pegar o novo trem para o centro é como estar em um filme de ficção científica. A alta tecnologia impressiona desde o primeiro instante. Passados apenas 23 minutos, estava em pleno continente, do lado Kowloon, olhando a ilha de Hong Kong do outro lado. É como estar em um sonho colorido e dimensional. A visão da baía de Hong Kong a noite tira o fôlego de qualquer um. Ali estão os maiores e mais magníficos prédios do mundo, junto com as montanhas habitadas pelos dragões! De um ponto de vista arquitetônico e de engenharia, podemos ver claramente o que os homens podem criar. Seja pela colossal altura do Central Plaza, o único e maravilhoso design do Banco da China ou a complexa engenharia do Banco de Hong Kong, para citar apenas alguns exemplos. Claro que não poderia esquecer que muitas das obras foram criadas com a ajuda de mestres de Feng Shui, o que concedia um caráter totalmente especial para mim.
Kowloon, o lado do continente, possui uma noite muito diferente e animada. Andando pelas ruas é como estar de volta ao passado. Vemos de tudo: vendedores, artigos de jade (muitos falsos feitos de plástico), as mais estranhas comidas e iguarias (cavalos marinhos com sal, doces identificáveis, peixes exóticos...)
A vida em Hong Kong é mágica. Vemos, ao lado dos edifícios high-tech, formas de vida que permanecem inalteradas desde a colonização num incrível contraste
Os edifícios construídos com Feng Shui são inúmeros e sempre, belíssimos. Seja o fantástico Central Plaza com seus 3 cantos "modificados" e o maior de Hong Kong com 78 andares, as diferentes formas do Citibank, a geometria do Banco da China, o "tanque de guerra" Banco de Hong Kong, o "urso kuala" Centro Lippo. Cada um possui uma fascinante história, algumas vezes, difícil de separar do verdadeiro propósito da construção.
Após alguns dias em Hong Kong, chegou a hora de viajar um pouco mais, dessa vez para Macau (na tentativa de falar um pouco de português) e depois para a China continental. Embora Hong Kong pertença a China, os chineses não podem entrar sem passaporte e uma boa razão. Conversando com pessoas na China, muitos diziam que o governo não emite passaportes para todos, sendo muito difícil conseguir um (leia-se $$$). Coisas estranhas num país comunista....
Banco da China Banco de Hong Kong
A viagem para Macau é curta e agradável n =um "Turbo Jet" (nem que seja apenas pelo ar condicionado para aliviar o calor de 33 graus e 90% de umidade). Apenas com o bilhete em mãos, já consigo me sentir mais 'natural': o bilhete contém instruções em inglês, chinês e português! Mas não pense que em Macau você encontrará pessoas que falam português ou mesmo inglês. Apenas os nomes das ruas e construções são em português. O resto, apenas chineses numa arquitetura tipicamente portuguesa. Algumas pessoas haviam dito para mim que em Macau não havia muito o que fazer, a não ser jogar no cassino e visitar algumas construções históricas portuguesas. Um dia e uma noite são suficientes. O interessante é que no Museu de Macau todos os textos são em português!! Encontrei coisas preciosas ali: uma Lo Pan original, uma réplica das primeiras bússolas do mundo além de muitas evidências do uso de Feng Shui na província portuguesa. Quando perguntei aos habitantes portugueses e alguns chineses sobre o uso do Feng Shui, eles realmente confirmaram que o governo utiliza suas técnicas, assim como as pessoas. No mínimo interessante.
A primeira e última noite em Macau foi dedicada à uma boa comida e ao pensamento de no dia seguinte estar pisando em solo chinês! Tudo o que eu havia estudado desde então sobre a cultura chinesa iria ser colocado em prova. Eu simplesmente não sabia como as coisas seriam e preferi não fazer pré-julgamentos para não ser decepcionado. Nós temos a tendência de imaginar um lugar de tal maneira e quando chegamos vemos que não é nada daquilo. Quis evitar tudo isso, justamente por já haver vivenciado anteriormente. A fronteira chinesa é grande com edifícios no velho estilo chinês. Alguns passos e o mundo todo se modificou. A emoção de estar ali, mesmo que na fronteira, causou sorrisos e alegrias. Mas não durou muito, pois as coisas começaram a complicar. Eu pretendia ir para Cantão e então pegar um trem para Guilin. Quanto a isso nenhum problema, mas e para comprar a passagem de ônibus?? Tudo estava escrito somente em chinês e ninguém falava inglês. É interessante notar que no sul da China fala-se cantonês, ao invés do chinês mandarim. Mas não pense que você pode se virar na China sabendo apenas algumas palavras. Em Shangai fala-se shangainês, em Pequim, pequinês, os chineses não falam chinês, e sempre me perguntei, porque eu devo aprender chinês?? :-)
Jardim no parque de HK Leão na frente do Banco de Hong Kong
Cantão em chinês não é Cantão, mas Guangzhou. Eu simplesmente queria ir para um local que ninguém conhecia!! Encurtando os fatos, consegui comprar a passagem e seguir viagem. Não foi tão difícil, como em outra ocasião, quando estava em Guilin para voltar para Cantão e levei 3 horas e 20 minutos para conseguir comprar a passagem de trem, sorte por ter encontrado um chinês que falava algumas palavras de inglês! A viagem para Cantão é tranqüila. Mas Cantão não é tranqüilo. Aqui podemos ver a nova China, os novos chineses, muito diferente de tudo que pensamos ser a China.
Estive apenas por alguns momentos em Cantão para logo depois, com a ajuda do serviço de turismo, embarcar para Guilin para ver as mais famosas montanhas chinesas. A viagem é tranqüila e novamente fui a atração turística. O contrário do que imaginava, ao invés da China ser a atração para mim, eu era a atração para ela. Mesmo depois de mais de 20 anos de abertura para visitantes, um estrangeiro continua chamando atenção.
Passagem de ônibus chinês
Luo Pan Original Guia do Museu
No trem, conheci duas pessoas de Hong Kong e conversamos um pouco sobre a China. Senti como se fosse um comediante. Tudo que eu falava para a chinesa com um sorriso o trem todo gargalhava! No meio das gargalhadas sempre havia as famosas escarradas chinesas. Não podia deixar de rir do show "escarrento", então ficávamos rindo, gargalhando, conversando e escarrando! Aos olhos de um ocidental, um verdadeiro espetáculo.
Guilin possui o mais belo cenário de montanhas da China e talvez do mundo. São formações que saem do chão de repente formando um tapete de montanhas. Essa foi uma das regiões onde o Feng Shui foi iniciado e é fácil perceber porquê. Para todos os lados que se olha vemos montanhas. Dizem que "os rios são como fitas de seda e as montanhas como alfinetes de jade". O bonito Rio Li corta a cidade e então segue seu caminho através da paisagem desde Guilin até Yangshuo.
Ao longo do rio existem várias atrações como cavernas, cachoeiras e os notáveis morro do elefante, a pedra do tigre branco, langshi, a pedra de lótus, a montanha do camelo. Não existem palavras para descrever a sensação de descer este rio de barco, o passeio mais procurado por todos os turistas. Fiquei pensando em descer o rio de caiaque, apenas embalado pela suave correnteza. Nesta região existem importantes construções de Feng Shui, muitas delas em Guilin enquanto outras em Yangshuo. Praticamente todas as pinturas chinesas antigas foram inspiradas no cenário dessas montanhas. Não é difícil entender. O passeio acaba em Yangshuo, a mais turística cidade da China, uma rua inteira (quase inteira) onde (quase) todos falam inglês e a comida é um pouco melhor.
Provei uma deliciosa cobra num café da manhã. Um alemão que conheci bebeu o sangue da cobra ainda quente, pois segundo os chineses é muito bom para trazer mais força. Ele ainda bebeu o líquido da vesícula biliar, bem verdinho e, penso eu, com um sabor bem diferente! Aos mais corajosos, os restaurantes oferecem "especialidades" como cachorro, gato, rato e coelho. Mas você precisa pedir com antecedência para que seja preparado 'ainda fresco'. Aprendi depois que não precisamos ter medo de comer carne pensando que é cachorro: cachorro custa mais caro que carne de vaca!!
Com este episódio lembro-me de um ditado chinês: "Chule feiji zhi wai, yangyang duo chi". Na China comemos tudo exceto aviões e trens.
Yangshuo tem inúmeras atrações como cavernas, montanhas para explorar e os campos de arroz. Um passeio a pé pelos campos é prioridade. Segui depois para LongShen, numa viagem com o recente (e forte) amigo alemão dentro de um ônibus bem chinês: não há como ir sentado, apenas deitado! LongShen possui os famosos terraços de arroz, sendo um cartão postal muito procurado. A viagem não é muito agradável, os hotéis menos ainda, e não há nada para se fazer na cidade. Visitei ainda algumas outras cidades, pesquisando e sempre indagando sobre Feng Shui. Na volta aconteceu o caso das 3 horas (conforme dito para comprar a passagem de trem). Depois de Cantão voltei para Hong Kong por outra via, Shenzhen. Em Hong Kong mais alguns dias pesquisando e estudando para, um dia antes de voltar, presenciar um tufão número 10, o maior dos últimos 16 anos!
Um amigo havia dito que eu nunca mais seria o mesmo depois de voltar da China. Não disse nada a ele, mas agora posso dizer que ele estava certo. É difícil dizer o que é a China a não ser que você vá e veja por si próprio. Um grande povo com uma gigantesca cultura. É pena dizer mas os chineses estão destruindo sua própria cultura. Valores "tão chineses" não mais existem, principalmente nas grandes cidades.
Voltar para casa depois de estar viajando pela China é um sentimento muito diferente de tudo o que havia sentido desde então. Algo ficou para trás. Um vazio começa a tomar conta. Porque não tomar outro avião e voltar para a China?? Eu estava pensando sobre isso quando lembrei de uma frase do Tao Te Ching sobre viajar e nosso lugar no mundo:
"Um bom viajante não tem planos fixos e não sabe o que irá fazer quando chegar"
Isto é sobre estar satisfeito seja qual for o lugar que estamos e com quem estamos. Se nós gastarmos nossas vidas pensando sobre o próximo lugar então quando nós chegarmos não poderemos realmente "ver" pois estaremos muito ocupados pensando no próximo destino.
De outro ponto de vista, eu posso dizer que peguei algum tipo de bactéria que viaja muito profundamente dentre de meu coração e irá me infestar até o resto de minha vida. E sei que não existe cura para a "doença da viagem". Ela é muito dolorosa e somente aqueles que estão verdadeiramente infectados podem realmente entender.
Muitas pessoas pegam uma infecção amena depois de suas férias mas ela normalmente torna essas pessoas imunes depois de um período e o paciente recupera-se rapidamente. Então elas sofrem somente depois de umas boas férias.
MAS...... para aquelas pobres vítimas como eu próprio, a doença desenvolve-se muito profundamente e invade o âmago! Eu receio dizer que não existe remédio que funcione a não ser continuar viajando e alimentando a fome desta terrível bactéria. Assim, cuidado quando for viajar para locais mágicos, você pode pegar a "doença da viagem"!!
A China pode ensinar muito para nós. Não há como ser o mesmo depois de conhecê-la. E justamente estas palavras que escrevo a fim de compartilhar minhas experiências, fizeram-me reviver em mim todos os momentos desta viagem. Porque somente a lembrança das boas coisas vividas mostra o verdadeiro valor do passado. E somente os momentos inesquecíveis são vivos para nós!
5 de outubro de 1999
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