Pois desde aquela época, bem antes de avolumar-se a poluição dessa língua negra vocalizadora de que Chico Xavier é Allan Kardec, ali já estava inserido o verbete Francisco Cândido Xavier nos seguintes registros cronológicos, alguns nomes anotados nos primórdios da década de 60):
Hatshepsut, rainha faraó (séc. XV a.C.) - Hebreia no Egito (entre o séc. XVIII a.C. e o séc. XIV a.C.) - Judia em Canaã (c. séc. XIII ou posterior) - cidadã grega (c. 600 a.C., séc. VII a.C.) – Chams, princesa (século VI a.C.) - cidadã síria (período a.C. até d.C.) – cidadã cartaginense (entre os séc. X a.C. e séc. II a.C.) – Flávia Lêntulus (séc. I) – Lívia (séc. III) – Joana, a Louca (1479-1555) – Verdun, abadessa (séc. XVI) – Jeanne d’Alencourt (séc. XVIII) – Ruth-Céline Japhet (1837) / Dolores del Sarte Hurquesa Hernandez (séc. XIX) - Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier (1910-2002)
Por volta de 1999, enviei para o Chico e, em 2008, também para o Divaldo Pereira Franco, o verbete de cada qual, pedindo-lhes que, se fosse o caso, me indicassem algum reparo aconselhável. Nenhum dos dois se opôs a nada.
A reencarnação do Chico como sendo a Ruth-Céline Japhet me havia sido repassada desde 4.8.1967, quando o Abelardo Idalgo Magalhães esteve com o médium em Uberaba e, lado a lado, foi anotando as vidas pregressas do Chico personificadas nos romances de Emmanuel.
Arnaldo Rocha é reconhecidamente espírita sério, honesto, de inatacável probidade
Tenho esse quadro comigo até hoje com a assinatura do Abelardo. A Ruth-Céline não aparece porque não foi personagem de nenhum dos romances, mas o Abelardo também falou dela, a meu pedido, e recebeu a confirmação. Eu já sabia desde aquela década, em mero exercício especulativo. Essa mesma confirmação o Divaldo Pereira Franco ouviu diretamente do Chico, que tinha acabado de chegar de Paris, onde visitara o túmulo do Codificador. Ainda mais. Muitos anos antes, foi o mesmo Chico quem fizera igual revelação para um dos seus maiores amigos e confidentes, o Arnaldo Rocha, marido da Meimei, esse Espírito maravilhoso que nos ditou mensagens de elevado teor evangélico.
Destaco como importante que, de todos os que andam por aí se jactando de terem ouvido declarações do Chico, ou tirando conclusões por conta própria de que ele era Allan Kardec, nenhum deles viveu a intimidade vivida pelo Arnaldo Rocha. E, ainda este ano, quando mais uma vez esteve aqui em minha residência, o Arnaldo voltou a me afirmar que o Chico era a Ruth-Céline Japhet. Também há pouco menos de um mês, no programa da Globo News em homenagem ao centenário do Chico, ele retomou o assunto e, em resposta a pergunta que lhe foi feita, falou, até com certo enfado, que não passa de bobagem essa ideia de que Chico Xavier era Allan Kardec. Anote-se que o Arnaldo Rocha é reconhecidamente espírita sério, honesto, de inatacável probidade. Ninguém, absolutamente ninguém, no momento, tem mais autoridade do que ele para colocar um ponto final nessa ficção que o bom senso e o conhecimento da doutrina espírita deveriam de há muito ter inumado.
Já em agosto do ano passado, em entrevista concedida ao site “Espiritismobh”, o Arnaldo havia divulgado que, num diálogo acontecido em 1946, o Chico lhe revelara que era a reencarnação da Ruth-Céline. O Arnaldo só não incluiu essa revelação no livro Chico – Diálogos e Recordações, de autoria do Carlos Alberto Braga, porque, transcorridos tantos anos daquele diálogo, ficou em dúvida se se tratava da Céline Japhet ou da outra médium de Kardec, que ele supunha chamar-se Céline Baudin. Na verdade, essa outra se chamava Caroline Baudin. Posteriormente, o Arnaldo dirimiu a dúvida, conforme relatou em entrevista mais recente, divulgada no mesmo site. “Tive a oportunidade de ir ao Rio encontrar um amigo muito querido, Luciano dos Anjos. Questionado por que não coloquei a história da Ruth-Céline Japhet no livro, respondi que fiquei muito em dúvida com os nomes, pois sabia da existência das duas Celines. Ele então me respondeu que a médium auxiliar de Kardec era a Ruth-Céline Japhet, judia e desencarnada em 1885.”
A personalidade de Francisco Cândido Xavier nunca teve nada a ver com a do Codificador
Conversamos, sim, sobre o livro. Ele me expôs as razões e eu lhe expliquei que apenas a Japhet se chamava Céline e que, portanto, era a ela que o Chico se referira. Não existiu uma Céline Baudin. Mesmo porque, eu também já tinha essa informação desde há muito tempo e lhe pedira que aguardasse alguns detalhes que eu lhe passaria. Apenas questão de datas, pois o Arnaldo já sabia de tudo.
Ultimamente tem crescido esse movimento que vem fecundando a biografia do Chico com o radicalismo de ideias canonizantes. A personalidade de Francisco Cândido Xavier nunca teve nada, nada a ver com a do Codificador. E o próprio Chico ressaltou essa diferença, em declaração publicada no Diário da Manhã, de Goiás, de 28.8.1998, e que me dispus a propalar pela internet, em nota de 29.3.2010. Chico Xavier, como vimos aqui, no início desta matéria, tem sido sempre mulher. E, diga-se, nesta última vida de médium, foi uma grande mulher, com sentimentos que mostraram ao mundo o valor de saber ser mulher num corpo masculino. Isso é muito difícil, mas o Chico, nesse particular, foi um vitorioso, vencendo tendências naturais que lhe poderiam ter arrastado ao fracasso da missão.
Nesse entrecho, tem acontecido até anedota de humor despudorado. Médica espírita de São Paulo publicou artigo na Folha Espírita, alegando que o Chico não se casou da mesma forma que também Allan Kardec não viveu maritalmente com Amélie Boudet. Teria existido entre o casal apenas um amor platônico, daí não terem tido filhos (?!). A que delirante paroxismo chegamos. Vale tudo para colocar Kardec como santo católico, na mesma vestalidade das fêmeas mais pulcras. Ora, convenhamos: para estar a par de uma intimidade tão grande entre os dois só se admitindo – concluem os piadistas – que a doutora é a Amélie Boudet reencarnada. E já não duvido de que ela venha a público fazer essa fantástica confissão de identidade. A essa altura, espero por qualquer esquizofrenia.
Voltarei ainda à figura de Francisco Cândido Xavier. Por agora, vamos conhecer melhor Ruth-Céline Japhet, sobre quem, aliás, Allan Kardec nos deixou muito poucas informações, o que, de resto, também o fez em relação aos demais médiuns que participaram do preparo de O Livro dos Espíritos. Esclareceu ele que assim agiu para evitar exatamente o que hoje vêm fazendo com Francisco Cândido Xavier, que até procissão pelas ruas de Pedro Leopoldo já ganhou. Tem mais. Já há gente fazendo-lhe romaria ao túmulo para recolher lágrimas que “surgem” dos olhos do busto de bronze. Na continuidade do show carismático, acaba de ser produzido um hino a Chico Xavier, cuja letra, diga-se, é desoladoramente trash. Mas nada estará perdido. Talvez sirva para acompanhamento nas novenas, que com certeza surgirão.
A infância de Ruth-Céline Japhet lembra os infortúnios de Chico Xavier, tal a luta que empreendeu
É por isso que creio já ser hora tardia de resgatar da vulgaridade essa atual febre de negativa propaganda do Espiritismo.
Ruth-Céline Japhet na realidade se chamava Ruth-Céline Bequet. O sobriquet Japhet ela o adotou para identificar-se como sonâmbula profissional. Reencarnou em 1837, na província de Paris, cujo local exato não consegui localizar. No ano de 1841, ainda morava por lá, com os pais, quando ficou gravemente doente, impedida de caminhar. Sua infância lembra os infortúnios de Chico Xavier, tal a luta que empreendeu pela saúde combalida. Era médium desde pequena, mas só por volta dos 12 anos começou a distinguir a realidade entre este mundo e o espiritual. Na infância, confundia os dois. Acamada por mais de dois anos, foi um magnetizador chamado Ricard quem constatou que ela era médium (sonâmbula, na designação da época), colocando-a em transe pela primeira vez. Mas não fizeram mais do que três sessões. Impaciente com a ineficácia dos remédios que tomava para recuperar os movimentos das pernas, seu irmão resolveu, por conta própria, magnetizá-la, assim tentando durante seis semanas seguidas. O resultado foi fantástico. Ela conseguiu levantar-se e voltou a caminhar com o auxílio de muletas. Nessas condições assim ficou por quase um ano (onze meses), depois do que, afinal, pôde dispensar as muletas, claudicando embora.
Em 1845, quando ainda tinha 8 anos, a família, empolgada pelos resultados obtidos com os passes magnéticos, resolveu seguir para Paris, à procura do magnetizador Ricard, aquele que houvera feito com Ruth-Céline as primeiras experiências. Então ele a levou ao colega Millet, em cuja residência acabou conhecendo outro magnetizador famoso, o sr. Roustan (não confundir com o grande missionário Roustaing), que estudava o magnetismo de cura desde 1840. Ele morava na rue Tiquetone nº 14 e negociava com joias, na rue des Martyrs nº 19 (outras referências indicam o nº 46).
Foi a partir desse contato e diante de todos os benefícios amealhados, que ela assumiu a condição de sonâmbula profissional (médium profissional), sob o controle de Roustan. E passou a adotar o nome de Ruth-Céline Japhet (srta. Japhet).
Explique-se que, naquela época, e até mesmo hoje, em países como os Estados Unidos, a Inglaterra e a própria França, só existiam médiuns remunerados e era comum a adoção de “nomes de guerra”. Ainda estava por surgir a doutrina espírita. Transformado em febre na Europa, o Espiritismo se constituía apenas em bases fenomênicas, importado não há muito da América. Allan Kardec é quem vai dar um novo rumo ao seu desenvolvimento prático, acrescentando-lhe o principal, isto é, conteúdo sério e sentido moral.
A partir da primavera de 1851, as sessões ocorriam duas vezes por semana, sob a direção do sr. Japhet
Daí que, como não poderia deixar de acontecer – e veremos isso adiante –, Allan Kardec não pôde exonerar-se de algumas divergências com suas médiuns, em especial a principal do grupo, srta. Ruth-Céline Japhet.
Ela permaneceu atendendo ao seu público durante quase três anos seguidos, dando consultas médicas que lhe eram transmitidas por Samuel Hahnemann, fundador da homeopatia, Anton Mesmer, fundador do mesmerismo, e por seu próprio avô. Também lhe apareciam, ditando mensagens de orientação, Teresa d’Ávila e outros benfeitores espirituais.
Sigamos a cronologia. Roustan levou-a, em 1849, para uma sessão no palácio do conde d’Ourche, em Vincennes. Estavam presentes: o conde e a condessa d’Ourche, o barão Louis de Guldenstubbé (possuo sua obra em minha biblioteca) e sua irmã Sônia, o casal De Lagia, o filósofo holandês barão Tiedeman-Marthèse, o sr. e a sra. Roustan, e o sr. Japhet, pai de Ruth-Céline. Funcionou como médium Mme. Abnour, que havia acabado de retornar da América e estava mais familiarizada com os fenômenos de magnetismo. Ruth-Céline, com 12 anos, era a mais jovem dos presentes. Ao término dos trabalhos, Mme. Abnour aproveitou aquele encontro para convidar Guldenstubbé, Roustan e a Ruth-Céline para formar um grupo particular que, com mais a integração de Abbé Chatel e das três demoiselles Bauvais, passaram a se reunir na casa onde então morava o sr. Japhet e sua filha, na rue des Martyrs nº 46. Ao todo eram nove pessoas.
A partir da primavera de 1851, as sessões aconteciam duas vezes por semana, sob a direção do sr. Japhet, que era médium intuitivo, e com Roustan prosseguindo no auxílio médico-espiritual à srta Japhet, cuja saúde, em geral, continuava sempre bastante precária. Ela mesma funcionou ali mediunicamente desde 1851 até 1857, ou seja, dos 14 aos 20 anos.
No ano de 1855, participavam das reuniões: Tierry, Taillandier, Tillman, Ramón De la Sagia, Victorien Sardou e seu filho, o casal Roustan e, naturalmente, o sr. Japhet, a essa altura já viúvo, e a filha Ruth-Céline. Outra importante presença era Adèle Maginot, a médium principal de Alphonse Cahagnet, o maior magnetizador da época. Com ele, praticamente todos os magnetizadores de então iniciaram o aprendizado, inclusive Roustan. Pois bem, Roustan considerava Ruth-Céline médium superior a Adèle Maginot.
Essas sessões copiavam o modelo norte-americano trazido por Mme. Abnour: Ruth-Céline ficava no centro do salão rodeada pelos demais participantes, com as cadeiras em forma de ferradura. Os Espíritos se valiam da tiptologia e, às vezes, da psicofonia. Assim aconteceu e se estendeu até meados de 1864, bem depois de já haver sido lançado O Livro dos Espíritos.
No dia 1º de agosto de 1855, Kardec foi levado a participar das sessões em casa do sr. Baudin
As comunicações recebidas eram consideradas por todos como excelentes, de alto valor instrutivo.
Em 8 de maio de 1855, Allan Kardec assistiu pela primeira vez a uma sessão de Espiritismo (mesas girantes), na residência da sra. Plainemaison, na rue Grange-Batêlier nº 18. Ali conheceu o sr. Japhet e sua filha Ruth-Céline. Ele era guarda-livros (espécie de contador) em casas comerciais.
Victorien Sardou tinha o seu próprio grupo de magnetizadores e há cinco anos vinha frequentando as sessões em casa do sr. Roustan, na rue Tiquetone nº 14. Ele é quem teria passado para Allan Kardec os cinquenta cadernos com as anotações dos Espíritos, ponto de partida de O Livro dos Espíritos. Segundo outras fontes, Carlotti, velho amigo do professor Rivail e que também integrava o grupo, é quem teria repassado os cadernos. Frequentavam essas sessões: Victorien Sardou e seu pai, o professor e lexicógrafo Antoine Leandre Sardou; o futuro acadêmico Saint-Renné Taillandier; o livreiro e editor Pierre-Paul Didier; Tiedeman-Marthèse; e outros.
Naquele exato ano, no dia 1º de agosto de 1855, Allan Kardec é levado a participar das sessões em casa do sr. Baudin, cujas filhas Caroline e Julie atuavam como médiuns, na rue Rochechouart nº 7. A primeira reunião com a presença de Kardec realizou-se numa quarta-feira. Baudin era fazendeiro, cultivava cana-de-açúcar, na ilha da Reunião, território francês no oceano Índico. Nos primeiros momentos, o Codificador quase abandona tudo, dada a frivolidade das sessões. Mas ele mesmo dá novo rumo às reuniões e ali tem início o esboço de O Livro dos Espíritos, seguido da confecção de grande parte da obra. Baudin mudou-se depois para a rue Lamartine nº 32. Ainda em 1855, Allan Kardec é levado por seu amigo Victorien Sardou (outras fontes dizem que o convite partiu do sr. Leclerc) à casa do sr. Japhet, cuja filha contava 18 anos.
Em 1856, Allan Kardec começou a frequentar também as sessões em casa do sr. Roustan, na rue Tiquetone nº 14, onde Ruth-Céline psicografava com a cesta de bico (corbeille-toupie). Durante certo tempo, participou das reuniões nas casas do sr. Roustan e do sr. Japhet. Ruth-Céline Japhet era sempre a médium principal, havendo Allan Kardec assegurado que essas reuniões “eram sérias e se realizavam com ordem”. Tanto mais que ali se manifestou, pela primeira vez, o Espírito da Verdade.
Luciano dos Anjos
http://www.forumespirita.net
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