Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão e explicou:
-"Menina, eu venho de montanhas frias e cobertas de neve, tudo
maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se
ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre
os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco de encanto
que eu vi, como presente para você."
E assim ele começava a cantar as canções e as estórias daquele mundo
que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas
asas do pássaro. Outra vez voltou vermelho como fogo, penacho dourado
na cabeça e novamente explicou:
-"Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde
os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se
apaga. Minhas penas ficaram como aquele sol e eu trago canções tristes
daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza
dos campos verdes.”
E de novo começavam as estórias. A menina amava aquele pássaro e podia
ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isso
voltava sempre. Mas chegava sempre uma hora de tristeza.
-"Tenho que ir", ele dizia.
-"Por favor, não vá, fico tão triste, terei saudades e vou chorar.”
-"Eu também terei saudades", dizia o pássaro. -"Eu também vou chorar,
mas eu vou lhe contar um segredo: As plantas precisam da água, nós
precisamos do ar, os peixes precisam dos rios. E o meu encanto precisa
da saudade. É aquela tristeza, na espera da volta, que faz com que
minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudades. Eu
deixarei de ser um pássaro encantado e você deixará de me amar."
Assim ele partiu. A menina sozinha chorava de tristeza à noite.
Imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa destas noites que ela teve
uma idéia malvada.
-"Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá; será meu para sempre. Nunca mais terei saudades, e ficarei feliz."
Com estes pensamentos comprou uma linda gaiola própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera.
Finalmente ele chegou, maravilhoso, com suas novas cores, com estórias
diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a
menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola
para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz. Foi acordar
de madrugada, com um gemido triste do pássaro:
-"Ah! Menina. Que é que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas
ficarão feias e eu me esquecerei das estórias e sem a saudade, o amor
irá embora.”
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas
isto não aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ia ficando
diferente. Caíram suas plumas, os vermelhos, os verdes e os azuis das
penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio; deixou
de cantar. Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o
pássaro que ela amava. E de noite ela chorava pensando naquilo que
havia feito ao seu pássaro amado. Até que não mais agüentou e abriu a
porta da gaiola.
-"Pode ir, pássaro, e volte quando quiser."
-"Obrigado, menina! Eu tenho que partir e é preciso partir para que a
saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. É preciso voar, voar.
Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro da
gente. Sempre que você ficar com saudades, eu ficarei mais bonito.
Sempre que eu ficar com saudades, você ficará mais bonita. E você se
enfeitará para me esperar.”
E partiu. Voou que voou para lugares distantes e a menina contava os dias, e cada dia que passava a saudade crescia.
-"Que bom”, pensava ela. -“Meu pássaro está voando e ficando encantado de novo."
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos; e penteava seus cabelos, se perfumava e colocava flores nos vasos.
-"Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje.”
Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado como o
pássaro. Porque em algum lugar ele deveria estar voando espalhando seu
encanto. De algum lugar ele haveria de voltar. AH! Mundo maravilhoso
que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama.
E foi assim que ela, cada noite ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento.
- “Quem sabe ele voltará amanhã... quem sabe... quem sabe...”
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